* Gaudêncio Torquato
No governo do presidente que mais fala, com perdão do trocadilho, a comunicação é das mais falhas. Mais ainda, na administração comandada pelo presidente que tem um ministro da Comunicação e Gestão Estratégica, um porta-voz e um assessor de Imprensa, a multiplicação de vieses, ruídos e dissonâncias corrói a imagem que o Partido dos Trabalhadores (PT) construiu para si e para os seus ao longo de quase três décadas, usando a argamassa de princípios como unidade, coerência, inserção social dos excluídos, ética e fortalecimento da cidadania. É até aceitável que a mudança de lado - sair de espaços da oposição para entrar na órbita da situação - gere conflitos de identidade, que se refletem na desarmonia do conjunto e em multiplicidade de linguagens. Do PT, porém, que tanto investiu no conceito de identidade homogênea, bastando ver os aparatos tecnológicos que montou para aperfeiçoar uma engenharia de manipulação de mentes, se esperava mais acerto no quesito comunicação. O que explica tanta incomunicação por parte de seu governo?
As explicações abrigam componentes de gestão e de comunicação. Vejamos. O governo errou ao eleger, inicialmente, um programa não bem estruturado - para não dizer improvisado - como ícone. O tal Fome Zero foi um completo insucesso. A badalação em torno dele teve efeito de bumerangue, e o bombardeio comunicativo se voltou contra a própria imagem governamental. Gol contra. Na esteira de indefinições sobre prioridades, o presidente, navegando em entusiasmo retumbante, foi desfilando promessas, exagerando no uso de metáforas populistas, exibindo um discurso salvacionista para tocar o coração das massas e continuar a embalar sonhos iniciados na campanha. A verdade foi ficando mais curta, mas a história contada por Lula foi aumentando. E aí chegou a percepção de que o presidente não está conseguindo ajudar Sísifo a depositar a pedra no alto da montanha. (Na lenda grega, ele recebeu o castigo dos deuses o castigo de depositar a pedra no cume; quando está próximo de conseguir o feito, a pedra rola ao sopé e o condenado terá de fazer o serviço por toda a eternidade). A esperança (que se esvai) é a de que Lula pode ajudar Sísifo a tirar a pedra que pesa sobre os ombros dos brasileiros.
Os grupos dos centros sociais, mais racionais, envolvendo setores produtivos e cadeias de formação de opinião, começaram a abrir sua tuba de ressonância crítica, usando a própria boca de Lula como força de argumentação. Os 10 milhões de empregos prometidos na campanha se transformaram em recorrência negativa. Episódios negativos sucessivos passaram a "canibalizar" os atos positivos da administração. A mídia positiva apregoada pelo ministro Luiz Gushiken foi entupida pela caudal de negatividade. O episódio Waldomiro Diniz bombardeou a imagem ética do PT. A decisão sobre o salário mínimo de R$ 260, a prometida correção da Tabela do Imposto de Renda pelo presidente (e não realizada), o imbróglio da expulsão do jornalista que escreveu sobre o hábito de beber do presidente, e os casos mais recentes - a fraude de R$ 2 bilhões na Saúde envolvendo o homem forte do ministro e a derrota na Câmara da emenda constitucional para reeleição dos presidentes das Casas congressuais - exibem a inabilidade do governo para planejar e administrar uma agenda de repercussão social.
O saldo negativo exposto pela mídia cresce na bolsa de imagem. Aos aspectos pontuais, se soma uma equação não resolvida, cujos parâmetros esgarçam as bordas do perfil governamental. A política macroeconômica do ministro Palocci recebe o veto de quadros petistas, o tiroteio incessante do vice-presidente da República e de seu partido, o PL, e das oposições, que, em relação a esse caso, até esquecem que o ajuste vem do governo anterior. A polifonia começa, como se vê, na banda de música petista e em conjuntos do centro do poder, não se descartando a figura do ministro José Dirceu, da Casa Civil. O que significa, por exemplo, o "pacto nacional" por ele defendido? Seria mais uma alfinetada na política do ministro Palocci, com o reconhecimento de que não agüentaremos os trancos da economia mundial, particularmente a norte-americana? A voz autorizada de Dirceu funciona como lenha na fogueira da desconfiança. Para arrematar a confusão, o presidente continua a falar o que bem lhe apetece, traçando promessas, discorrendo sobre a grandeza deste país, um ente cada vez mais distante dos nossos olhos. Ou seja, Lula é um dos grandes pólos de dissonância do governo.
Sob esse pano de fundo, gira a comunicação. No caminho errado. Os organizadores do marketing governamental elegeram a comunicação publicitária como eixo principal da aproximação com a sociedade. Um monumental engano. Se a mídia massiva dá ênfase a fatos negativos, é porque a polêmica e a sensação se sobrepõem às coisas positivas e consensuais. O conflito dá vida à notícia. Logo, o discurso governamental deveria procurar os fluxos noticiosos, e não apenas as veredas enfeitadas e glamourizadas da publicidade. Lula não dá entrevistas coletivas. Mais um erro. O ministro Gushiken deve ter sido convencido que propagar é mais eficiente que informar. Mais caro é, sim, mais eficiente, não.
O marketing governamental comporta eixos de pesquisa, formação de conceitos, programas de comunicação e, ainda, esquemas de articulação e mobilização. O governo, sabe-se, contrata muitas pesquisas. Elas servem para ajustar o discurso, e não apenas para descobrir a quantas anda a imagem do governo. Outros eixos estão tortos. Onde está o eixo da articulação com a sociedade? Os conselhos criados pelo Governo constituem uma forma de "abraçar" a sociedade por meio de circuitos das elites. Onde, porém, estão as ONGs das massas? Por último, a mobilização social deixa a desejar. Basta ver Lula dando a benção a coisas já inauguradas, sem povo e com muitos figurões. Parece até que o governo corre atrás de uma agenda de inaugurações que inexiste. Com essa torrente de erros e desleixos, não há comunicação em cadeia (como a usada pelo presidente para falar sobre os 500 dias do governo) que resgate a boa imagem governamental.
Em tempo: o presidente promete mais uma revolução, desta feita, na área da saúde, a que acaba de ser objeto de escândalo.
* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautor@gtmarketing.com.br
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