O golpe de 1964 completa 50 anos. Apoiado por quase a totalidade dos veículos de comunicação da chamada grande imprensa, o golpe implantou uma ferrenha ditadura militar que censurou, torturou e assassinou. Segundo um levantamento feito pelo jornalista Luiz Antonio Maciel, que lista os casos de mortos e desaparecidos que exerceram o jornalismo, Vladimir Herzog não foi o único jornalista morto durante os anos de chumbo. Além de Herzog, outros 22 jornalistas foram torturados e assassinados pelas forças de segurança no período.
Passados 29 anos do término do regime de exceção, vários deles ainda constam como desaparecidos. Além desses 22, centenas de jornalistas, dentre os quais vários da imprensa alternativa, mas também muitos que trabalhavam na chamada grande imprensa, foram perseguidos, ameaçados, demitidos, cassados, indiciados em processos, condenados, exilados, presos e torturados.
Dos outros 22 jornalistas mortos ou desaparecidos, um pelo menos trabalhou na imprensa tradicional: Luís Eduardo da Rocha Merlino, que assinava matérias apenas como Luís Merlino. Ele começou a sua vida profissional como repórter do Jornal da Tarde, onde fez, entre outras, matérias sobre os índios Xavantes e sobre o então considerado “mau patrão” J.J. Abdala, proprietário da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus. Posteriormente, Merlino transferiu-se para a Folha da Tarde, dirigida por Miranda Jordão, e no período de 1969/1970 trabalhou no Jornal do Bairro.
Nascido em Santos, em 1948, aos 20 anos de idade já trabalhava como jornalista, fazendo parte da equipe do jornal alternativo Amanhã, além de trabalhar também na Folha da Tarde . Em setembro de 1968, cobriu o XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, no interior de São Paulo.
O jornalista foi preso na casa da mãe, em Santos, no dia 15 de julho de 1971, e levado para a Oban, na Rua Tutóia. Lá, ele foi torturado durante 24 horas seguidas e, por permanecer durante longo tempo no “pau-de-arara”, passou a não sentir mais as pernas e a ter dificuldades para urinar, devido à gangrena nas pernas. Como seu estado de saúde se agravou, no dia 17 foi levado para o Hospital Geral do Exército, onde morreu em 19 de julho, conforme atestado de óbito.
A mãe de Merlino, Iracema, entretanto, só recebeu a notícia da morte no dia 20, à noite. Nesse mesmo dia, o policial militar Gabriel informava aos presos na Oban/DOI-CODI que o jornalista morrera em decorrência de problemas cardíacos. A primeira versão que chegou à família foi a de que ele se suicidara. A segunda, dada pelos órgãos de repressão, foi a de que Merlino morrera em consequência de auto-atropelamento: ao ser levado para o Rio Grande do Sul para identificar companheiros, na Rodovia Regis Bittencourt, na altura de Jacupiranga (SP), teria escapado dos agentes que o conduziam e se jogado embaixo de um carro.
No Instituto Médico Legal, os familiares foram informados de que o corpo de Merlino não estava lá, mas um parente conseguiu burlar a vigilância e procurar o corpo em várias gavetas, até encontrá-lo. Assim pôde ser enterrado num cemitério em Santos, escapando de ser enterrado numa vala comum do Cemitério Dom Bosco, em Perus, destino final de centenas de presos políticos.