Tempo de despertar
*Luciana Sampaio
luciana_sampaio@hotmail.com
Assim não há paixão que sobreviva. Os jornalistas brasileiros estão experimentando na pele, os efeitos de mitos do passado que hoje têm representado grandes prejuízos para aqueles que continuam na profissão e os novatos da área. As condições de trabalho, os salários e o tratamento dispensado aos profissionais nunca foram tão degradantes. Jornalismo não pode ser sinônimo de escravidão consentida.
Por mais incrível que possa parecer, a imagem do jornalista boêmio, que trabalha apenas por idealismo ainda encontra adeptos nas empresas de comunicação do País. Para alegria dos empresários do setor, diga-se de passagem. Muitos prepostos dos patrões até utilizam essa ideologia funesta, para conter seus subordinados e incentivar práticas como horas-extras não remuneradas, acúmulo de função, entre outras tão perigosas ao exercício da atividade.
Nos veículos há espaço aberto para as reclamações, denúncias e feridas de todo mundo. Menos para o jornalista, para quem "fica feio" adotar esse tipo de atitude. A consciência de classe é substituída pela concorrência imbecil do "antes ele, que eu". Os problemas vão crescendo, sem que ninguém seja capaz de reconhecer que eles existem e estão aí para quem quiser ver ou experimentar.
Na regra do "salve-se quem puder", a categoria esquece de defender-se. Parece querer esconder da sociedade suas mazelas - a cobrança excessiva, a fragilidade, a falta de estrutura para executar um trabalho de qualidade e, sobretudo, os baixos salários - e continua com um ar de superioridade hipócrita, de quem já foi rei, mas perdeu o trono há muito tempo. Está passando da hora de abrir essa caixa preta!
Panorama complicado
Os jornalistas estão fragilizados e sofrendo. Problemas como alcoolismo, uso constante de anfetaminas e de outras drogas "fazem parte". Os casos de suicídio também estão presentes. Às empresas, cabe enviar representantes ao enterro e uma coroa de flores, como absolvição por anos e anos de pressão desmedida e covarde. Às vezes nem encontramos uma nota sobre o suicídio de um colega, no veículo que ele trabalhou por um longo período.
Quem não vai por esse lado, acaba sem casamento e sem inspiração para viver qualquer relação sentimental ou familiar, entregando-se ao trabalho/cachaça (vício). Há também os acomodados que administram suas vidas entre o cheque especial e o empréstimo que oferecer a menor taxa de juros, até que a "casa caia". E muitas têm caído, afinal amor em uma cabana é sonho infantil. Aos separados que não conseguem pagar suas pensões alimentícias em dia, podem ser até surpreendidos por ordens de prisão.
Apesar de toda crise e precarização da profissão, a vaidade foi a única coisa que o jornalista ainda não perdeu. Ao contrário do que se mostra, tem muito colega que tem até que morar de favor e vive stress todo mês na hora de pagar as contas. Há aqueles que vendem férias, para ajudar a diminuir o rombo na conta bancária e, assim por diante.
E a vida, no seu sentido mais sagrado, vai ficando para depois, junto com os planos e sonhos. A depressão toma conta e, com ela, um sentimento terrível de insegurança (devidamente alimentado pelas empresas). A idéia de auto-estima, então, já não existe há muito tempo.
Atitude, já!
No Encontro Nacional de Jornalistas realizado recentemente, em Florianópolis, pude constatar que as queixas da classe são as mesmas, em todo o País. Sem essa de aqui está pior, lá está melhor. "A coisa tá preta. Muita careta para engolir a transação". E não há como negar: o astral anda baixo de norte a sul. O eldorado não existe, não adianta mudar de Estado. Mas, precisamos mudar de atitude urgente.
A nossa categoria continua "dormindo no ponto". Ta passando da hora de despertar e conquistar dias melhores. A FENAJ e os Sindicatos estão aí. Precisamos nos mobilizar em torno de nossas entidades, torna-las cada vez mais atuantes e presentes. Juntos somos mais fortes. Precisamos entender que está se esgotando o prazo para construir uma classe profissional forte e coesa, capaz de atuar de uma forma corajosa contra tanta desvalorização e desrespeito.
É preciso fazer do Jornalismo uma profissão respeitada e do jornalista, um ser humano realizado. Isso é vital, imprescindível e vai ter que brotar de dentro para fora, de cada um e de sua atitude isolada e particular, até atingir a classe inteira, em âmbito nacional.
O momento é agora. Não dá mais para esperar. Chegou a hora de despertar.
*Luciana Sampaio é jornalista profissional em Belo Horizonte (MG)