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24/10/2003
Do Campus para a Favela
 

Educação e Cidadania pelas Ondas do Rádio

 

Do Campus para a Favela


Amaro Augusto Dornelles

 

Há dois anos, programa elaborado na USP mostra na rede municipal de Ensino de São Paulo como utilizar a linguagem radiofônica para prevenir a violência

  

R. S. tinha sete anos em 1993, quando foi matriculado na Escola Municipal de Ensino Fundamental Sebastião Francisco O Negro*, extremo da Zona Leste paulistana. Morador da Favela Chica Luiza - separada da escola pelos muros - era um produto típico de família desestruturada: pai preso e irmãos mais velhos envolvidos com o crime. O garoto logo confirmou os prognósticos mais pessimistas, aproximando-se da bandidagem reinante extra-muros. Aos 12 bebia, fumava, drogava-se e já praticava o primeiro roubo de carro. Só que a última aventura custou-lhe um "curso interno" de seis meses na Febem, para onde foi mandado, por ser réu primário.

De volta à escola, os professores avaliaram a criança para ver se ainda era possível afastá-lo da marginalidade. Tudo o que havia de disponível na escola foi canalizado para motivar o aluno, que passou a ser escalado para apitar jogos de futebol, assim como a participar do programa de rádio elaborado e veiculado na escola, a partir do qual ele revelou um criativo criador de jingles e de piadas. "R. S. estudava à noite, mas às 15, 16 h ele já estava na escola para programar suas atividades na rádio e também para discutir problemas pessoais", recorda o professor Fernando Sérgio Marujo, ao observar, sem falsa modéstia, que uma liderança negativa dentro da escola foi transformada em exemplo positivo graças ao trabalho da comunidade escolar. Aos 17 anos, hoje R. S. cursa o segundo grau na escola Hirochima, trabalha e continua procurando seus antigos mestres para pedir orientação.

O trabalho com rádio em sala de aula faz parte do Projeto Educom.rádio, criado em 1996 pelo Núcleo de Comunicação e Educação, NCE, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, para a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo. O objetivo é equipar cada unidade escolar de ensino fundamental com um estúdio de rádio, a fim de promover a melhora na compreensão e no aprendizado e, ao mesmo tempo, atender o Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece a necessidade de ações preventivas de combate à violência.

Atingir a Comunidade - É lógico que todo trabalho tem limites e nem sempre as coisas correm bem. Nos dias de hoje, por exemplo, a luta desses mesmos professores é para trazer de volta uma garota de 14 anos, que o ano passado (aos 13) já se prostituía e que foi recuperada. Depois de um ano de bom comportamento e desempenho na escola - principalmente nas atividades radiofônicas - no final de abril a moça embestou de não ir mais para a escola. A mãe teme o pior e espera que a escola consiga convencê-la a retomar os estudos.

Desde que o Educom.rádio foi implantado, há cerca de 2 anos, a vida na EMEF da favela Chica luiza vive em ebulição permanente. Alunos e professores planejam e colocam no ar os programas, que são reproduzidos por auto-falantes em todas as salas de aula e até no pátio. O raio de ação vai apenas até os muros, já que a antena é interna. "Mas a proposta original do Educom é atingir a comunidade em volta - no caso a favela, com cerca de 3.500, onde vivem algo em torno de 5 mil almas" - diz o professor Marujo, observando que a escola mantém um serviço que vai atrás do aluno para saber a razão das faltas.

Atualmente, cerca de 40 estudantes atuam como agentes multiplicadores do Programa. Mesmo aqueles que já saíram da escola continuam freqüentando-a para auxiliar não só a rádio escolar, como também o Grêmio Estudantil. "Tenho certeza de que, quando virarmos uma rádio comunitária, eles vão estar aqui para nos ajudar". As grades são montadas depois de discussões entre alunos e professores. Dessa forma, segunda-feira é dia de "A Hora do Desafio: O Que É o Que É", com prêmios para os participantes; terça é a vez de "História Radiofônica", onde são lidos contos infantis para posterior sessão de exercícios de interpretação de texto. Há também o "Trava-Língua", com exercícios com palavras cujas sílabas sejam de difícil pronúncia. Outra atração é o programa Teste Seus Conhecimentos, assim como Notícias Variadas ou Notícias do Bairro.

Fundo Pedagógico - Qualquer que seja a programação, ela aborda temas que fazem da leitura instrumentos para promover o enriquecimento do vocabulário, interpretação de texto e vivência. As leituras feitas no rádio têm segmento nas salas de aula. "Os professores trabalham com as cenas da história para auxiliar a interpretação dos alunos, tratando conceitos importantes como pintura em seqüência (para ilustrar as histórias) classificação de informações, leitura e releitura" esclarece o professor, que recorda ter indagado em sala de aula sobre os motivos da violência no bairro - ao que todos responderam ser justamente a falta de perspectiva de vida, um objetivo a perseguir.

A motivação dos estudantes é apontada com um dos principais segredos do sucesso do Educom.rádio na EMEF O Negro. "No início a procura era tanta que a programação de rádio começou a ultrapassar seu espaço em prejuízo das demais disciplinas" recorda a professora Patrícia Cesário Branco, titular de Ensino Fundamental I e membro de uma das quatro equipes de educomunicadores da escola. De acordo com ela o trabalho dá muita importância à linguagem escrita, principalmente na redação de bilhetes, posteriormente lidos para toda a escola. As histórias sempre têm fundo pedagógico, assim como as entrevistas apresentadas.

"Trabalhamos muito com notícias, o que acontece na comunidade, o que eles querem comentar. Na verdade, os alunos trazem o mundo para a escola, fazem a interpretação de tudo e depois passam essas informação para a comunidade escolar através do rádio. Nesses dois anos de Projeto pude observar uma grande melhora no processo de escrita e leitura os alunos. É incomparável com a situação anterior, eles encontraram uma função para o estudo, a leitura e a escrita passaram a ter uma utilidade concreta na vida de todos. A informação produz efeitos imediatos, que se tornam mais atuantes, conscientes, abertos a discussões e à participação de outras atividades escolares, como o Grêmio Estudantil, passeios e atividades culturais.

Um dos grandes motivos de orgulho dessa comunidade escolar é o Projeto Pequeno Consumidor, desenvolvido em 2001 e 2002, no qual foi trabalhada a relação de compra e venda. Prioridade do projeto político-pedagógico da escola, o programa foi implantado principalmente através do rádio. Depois de alguns meses de trabalho, os comerciantes da região foram obrigados a trocar as mercadorias com data de validade vencida, já que as crianças impediam os pais de levar qualquer produto fora do prazo de validade.

Pesquisa universitária vira política pública
Workshops para difusão do programa são responsabiliddade de professores-doutores da Escola de Comunicação e Artes da USP

O método de trabalho hoje conhecido como Educom.rádio nasceu de um trabalho de mais de 30 anos de pesquisas do professor Ismar de Oliveira Soares, junto com a equipe do Núcleo de Comunicação e Educação da ECA/USP. Inusitado é o fato de a secretaria de educação de um município, no caso São Paulo, transformar uma proposta da USP em política pública, assinando contrato com um centro de pesquisa universitário, a fim de atender a 455 escolas de ensino fundamental. Trata-se do primeiro programa a utilizar a linguagem radiofônica como forma de prevenir a violência na escola.

Na verdade, o Educom.rádio é um grande programa de capacitação profissional para professores e afins. Ao final do curso, professores, alunos e comunidade devem estar aptos a construir uma programação de rádio, com todos seus elementos - vinheta, abertura, blocos, comerciais e encerramento - assim como manusearem estúdio de rádio capaz de gravar, reproduzir fita  videocassete e em disco digital, além de transmitir sua programação para toda a escola através de caixas acústicas.

O gravador digital permite conexão com a internet. O rádio colocaria o aluno como protagonista, ao mesmo tempo oferecendo um instrumento para ele atuar, cujas ações são planejadas a partir do encontro entre professores, alunos e membros da comunidade. De acordo Cláudia de tal, assessora de imprensa do Educom, a auto-identificação do aluno resgata a cidadania dos sujeitos, afastando-os  da violência

O Programa propõe-se a formar, capacitar e assessorar profissionais da educação, alunos e membros das escolas municipais da capital. A prefeitura se encarrega arcar com as despesas da capacitação da comunidade escolar - incluindo todos os equipamentos necessários ao funcionamento da uma emissora.

Oficinas Radiofônicas - São 450 escolas, envolvendo 9.100 participantes. Estão previstas sete fases para o desenvolvimento do trabalho, cujo início ocorreu em 2001; a conclusão ocorrerá em 2004, com a inclusão de todas as 450 escolas.Na primeira  fase foram atendidas 26 escolas, atingindo 520 pessoas; na segunda 40; na terceira 55; na quarta fase (atual) a meta á atingir 78. Este ano o Educom.rádio já chegou a 65 EMEIs.

Tudo começa com uma série de workshops sobre educomunicação - resposabilidade de professores-doutores da ECA/USP - seguidos de oficinas sobre produção radiofônica e exercícios práticos. Professores da FEUSP, Metodista, Anhembi-Morumbi e Faculdade de Comunicação Casper Líbero, bem como radialistas que trabalham em emissoras da cidade também colaboram. De cordo com Cláudia, cerca de 150 profissionais da USP estão encarregados de disseminar os conhecimentos junto a professores, estudantes e comunidade.


Maria de Lourdes da Paz Santos:


-Eu não tenho ninguém para sustentar as crianças e eu pego dois ou três deles (idades entre 1, 10 e 12 anos) e vou fazer rodinho (limpar parabriza) no farol. Então, quando bate 4 h, a gente desce e fica até às 11.
-Eu vejo que o trabalho do radio está adiantando, a mais velha estava entusiasmada, mas e o sustento das crianças (quatro dos seis fihos estão n"O Negro)? Isso adianta pouco porque a gente precisa correr atrás de dinheiro.

 

Taís Gonçalves, 14 anos, oitava série do E. Fundamental:


-Hoje, no primeiro e no segundo período a gente leu quatro livros para crianças. No terceiro tinha histórias para refletir, como o Menino Rebelde, Aborto, Drogas, assuntos para todo mundo refletir. Na segunda-feira tem contos bíblicos, terça são perguntas sobre o texto, tem histórias variadas de animais...
-Muita gente já sabe da rádio da escola porque a gente fala sempre em casa. Eu não conheço ninguém que não goste desse trabalho.

"Trabalhamos muito com notícias, o que acontece na comunidade, o que eles querem comentar. Na verdade, os alunos trazem o mundo para a escola, fazem a interpretação de tudo e depois passam essas informação para a comunidade escolar através do rádio" - Patrícia Cesário Bianco, profa. Titular de Ensino Fundamental I

 

*Conta a lenda que, nos últimos anos da escravatura, havia na região um presídio com dois detentos chamados Sebastião Francisco, o Branco e o Negro.

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